27 março 2011

A Legitimidade Jurídica e Social da Lei Maria da Penha


As estatísticas são alarmantes: A cada 15 segundos, uma mulher sofre violência doméstica no Brasil.

O contexto fático em torno da violência contra a mulher cuminou na aprovação da Lei Maria da Penha, de número 11.340, em 2006 - batizada em homenagem à cônjuge que sofreu constantes agressões por seis anos, as quais resultaram em uma tentativa de homicídio com arma de fogo, causando, à vítima, paraplegia e, ainda, tentativa do agressor em provocar-lhe eltrocussão e afogamento.

Mesmo assim, a lei vem sendo alvo de críticas. Algumas, como a de um juiz que proferiu decisão atestando a inconstitucionalidade da lei, justificando que "o mundo era dos homens e deveria continuar a sê-lo", são tão ultrajantes que sequer merecem comentário.  Entretanto, outras seguem uma certa lógica: a de que seria, sobretudo, injusto, conferir um tratamento desigual às mulheres quando homens também sofrem violência doméstica. Afinal, a natureza da agressão seria a mesma.

Devo apontar, contudo, que a crítica se perde quando se observam alguns dispositivos da Lei da Maria da Penha - e principalmente o fato de que, ao contrário do que se pensa, a mulher que agride seu companheiro está sujeita às mesmas penas do agressor do sexo masculino. Sim - a pena in abstrato para a violência doméstica independe do sexo do sujeito ativo do delito.

A explicação é simples: A Lei Maria da Penha não possui tipo penal incriminador. Ou seja, não tipifica crime algum, apenas traz alterações em dispositivos do Código Penal, do Código de Processo Penal e da LEP, além de criar Juizados próprios para a violência contra a mulher.
Esta lei vem sempre aplicada em combinação com o art. 129, § 9o do Código Penal, que disciplina a lesão corporal na qualificadora Violência Doméstica. Este tipo penal é aplicável tanto para homens quanto para mulheres.

A diferença é que a Lei Maria da Penha traz, em síntese, algumas garantias processuais para a mulher, como medidas protetivas (manutenção do vínculo trabalhista da mulher que sofreu violência doméstica e, por tal razão, teve que se ausentar do trabalho; prisão preventiva do agressor; afastamento do lar; separação de corpors; suspensão da posse ou porte de armas; impossibilidade de retirada da representação diante da autoridade policial, apenas diante do juiz etc).

Ademais, também se veda a aplicação da Lei 9.099/95 (vedação esta recentemente declarada constitucional pelo STF), impedindo, por exemplo, o instituto da suspensão condicional do processo e a cominação de penas alternativas - o que poderia resultar em impunidade para os agressores, mormente aqueles "acobertados" pela hiperssuficiência econômica.

Tais medidas se justificam pelo histórico de violência contra a mulher e do modo como se tratava, antigamente, este delito. Pela legislação anterior, ocorria-se muito situações em que a mulher se dirigia à delegacia a fim de representar o agressor e, ao retornar para o lar, sofria novamente violência doméstica ou esta recaía sobre os descendentes, que também se expunham ao perigo. Além disto, não eram poucos os casos em que a mulher, sob ameaça, retirava a representação contra o agressor na própria delegacia, deixando o crime impune.

Ainda hoje a Lei Maria da Penha encontra barreiras no medo da mulher em representar o companheiro(a) ou aquele com quem tem relações familiares (não é necessária a coabitação - aliás, outro avanço legislativo atinente à lei 11.340 foi a ampliação do conceito de família, necessário em outras esferas como a do Direito Civil). Eis, aqui, uma melhoria de Pareto - hipótese em que se aprimora a condição de um agente sem prejudicar a dos demais.

Por tudo isto, acredito que a Lei Maria da Penha não representa um tratamento "particularizado" no que tange à pena, uma vez que esta é a mesma tanto para homens agredidos quanto para mulheres agredidas; a distinção de gênero fundamenta, apenas, a adoção de medidas protetivas (que teriam a natureza jurídica de "cautelares") a fim de resguardar a mulher em sua integridade física e psicológica, diante do contexto fático brasileiro. É isto que legitima, entre outros, a impossibilidade da demissão da empregada gestante no âmbito do Direito do Trabalho - uma condição de desigualdade provocada pelo fator biológico.

Resta a questão:
A mulher é o sexo frágil? Não sejamos hipócritas: em alguns quesitos, infelizmente, ainda o é.

2 comentários:

Alberto Jorge C. de Barros Lima disse...

Cara,
O tratamento especial dirigido a mulher justifica-se, exatamente, como por vc apontado, em face de estarmos diante de uma agressão de GÊNERO: no Brasil, no seio das relações familiares, sempre houve e, lastimavelmente, existe, ainda, uma cultura de violência contra a mulher. A Lei – criada, diga-se de passagem, em função da condenação do Brasil por demorar em demasia para julgar a tentativa de homicídio sofrida pela Sra. Maria da Penha – foi importantíssima no que toca a chamada função da Prevenção Geral POSITIVA do Direito Penal, que não é outra coisa, senão, como assevera ROXIN o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade (em um post intitulado O CRIME EM PLATÃO tive oportunidade de acentuar que o pensador grego antecipando-se em mais de um milênio as “novidades” lançadas pelos funcionalistas, afirmava que a função mais nobre do Direito Penal era “fazer as pessoas odiarem a injustiça e amar, ou ao menos não odiar a justiça”).

Andou bem, por outro lado, o STF quando declarou constitucional o afastamento da Lei 9.099/95, consoante prevê o artigo 41 da Lei 11.340/2006. O artigo 98 da CF, é importante consignar, deixou ao legislador ordinário a competência da definição do que é delito de maior ou menor potencial ofensivo. A lei ordinária pode, assim, firmar que, não obstante a quantidade da pena in abstrato, o crime é de maior potencial ofensivo. E, não tenho dúvidas, como não tiveram TODOS os ministros do STF, que a violência doméstica contra a mulher, ainda que leve a lesão corporal, não é delito de menor potencial ofensivo e carece, assim, de respostas consentâneas, forte no princípio da proporcionalidade.

Marcondes Batista disse...

Confesso que sou um crítico da Lei Maria da Penha pelo retrocesso que alguns dos seus dispositivos trazem ao ordenamento jurídico.
Embora reconheca que a intençao do legislador seja boa, desacredito na eficáçia do meio escolhido pelo mesmo.
Enfim, a possibilidade de prisão e autuação em flagrante do autor de crimes como ameaça, injúria, calúnia, lesão corporal etc, quando praticado no âmbito familiar (sobretudo contra a mulher)é totalmente desproporcional. Tal medida vai na contra-mão da evolução legislativa que culminou com a conceituação dos crimes de menor potencial ofensivo, submetidos aos Juizados Especiais Criminais.
No mínimo, deveriam ter sido implemantadas outras medidas, de cunho assistencial, para que o agressor fosse encaminhado a tratamento psicológico, de recuperação do alcoolismo e outros vícios. Ressalte-se que a esmagadora maioria de casos envolvendo violência doméstica esta relacionada ao uso abusivo de álcool.
Mesmo sendo dificil (pra mim)de entender a covardia do agressor bem como da vitima (por permanecer aceitando as agressões) nos casos de violência doméstica, acredito que a atuação rápida e enérgica das instituições de controle social é a real maneira de evitar casos trágicos como o da Sra. Maria da Penha.